A pimenta só é boa
quando arde nos olhos dos outros. Do contrário, é refresco. Observando a
polêmica em torno do assunto que trata das biografias de artistas e outras
celebridades, e cujo projeto está em pauta no Congresso Nacional, permitindo
que elas possam ser escritas sem que, obrigatoriamente, as pessoas biografadas
tenham de dar autorização ao autor, vejo o quanto são incoerentes alguns de
nossos ex-defensores da liberdade de expressão. Isto em razão do Grupo criado
com o nome de “Procure Saber”, liderado pela atriz e promotora musical Paula
Lavigne, ex-mulher de Caetano Veloso, e que defende a proibição de biografias
que não contém a chancela prévia dos biografados, o que impediria, na prática,
a revelação de episódios contrários ao interesse do personagem. Um exemplo ocorreu com o ilustre Rui Barbosa,
um dos maiores escritores e intelectuais deste país que, quando ocupava uma
cadeira no Senado, usou da Tribuna para criticar a vacina criada pelo cientista
Oswaldo Cruz, contra a varíola, uma doença que matou milhares de brasileiros no
início do século passado. Na oportunidade, Rui Barbosa considerava um atentado
ao moral o fato e a mulher oferecer o braço para receber a vacina. A sua manifestação provocou grande reação e
Oswaldo Cruz chegou a ser perseguido, porque o governo obrigou que toda a
população tomasse a vacina. Logicamente que, fosse hoje, jamais Rui Barbosa
queria que tal fato fosse narrado em sua biografia. Mas foi um caso real.
E hoje assistimos à
incoerência e intolerância de alguns artistas, antes símbolo contra a ditadura
militar. Tanto que assinam como membros deste grupo, os cantores e compositores
Caetano Veloso e Chico Buarque, autores de músicas que tanto simbolizam a luta
pela liberdade de expressão no Brasil, como “É Proibido Proibir” e “Cálice”,
respectivamente. No momento, eles foram para o outro lado da vidraça. Tal
decisão surpreendeu fãs e colegas de ofício. Este é o país das incoerências e
de paixões absolutistas, como quando um grupo desses artistas, considerados os intelectuais
que apoiavam Lula para presidente, no início do ano 2000, quase crucificaram a
atriz Regina Duarte pelo fato de a mesma ter declarado apoio ao presidente
Fernando Henrique Cardoso. Ou seja, esses mesmos artistas que não podem aceitar
posições e opiniões distintas, por se acharem os “representantes legais de uma
democracia” (e olha que muitos deles já mudaram de lado após os governos
petistas entrarem em ação), estão agora no direito de criar um movimento que
tem por objetivo proibir, censurar, biografias de personalidades. Existe lei
para defendê-los, ou seja, caso a pessoa biografada se sinta ofendida, em todo
o direito de reclamar na justiça. Mas jamais censurar, proibir, como fez o
cantor e compositor Roberto Carlos, que proibiu a venda do livro que descreveu
a sua biografia, com grande prejuízo ao autor da obra, e agora dá uma de bom
menino dizendo aprovar o projeto que tramita no Congresso. Fazendo média,
apenas.
Chega de tanta
hipocrisia. Basta!